O bom profissional sabe lidar com conflitos

Uma empresa é feita de pessoas, de seres humanos instáveis emocionalmente, que nem sempre reagem da mesma forma frente às mesmas situações. Cada ser humano foi educado de uma forma, cresceu em uma família com características próprias, aprendeu a valorizar coisas diferentes, frequentam religiões distintas, enfim, pensam e agem de forma muito particular. Ou seja, uma empresa é um ambiente propício para haver conflitos de toda natureza, e o líder deve estar ciente disso, deve estar preparado para administrar os conflitos que aparecerão, e não ficar desequilibrado achando que tais atritos não anormais. Estudos deixam claro que o líder consome cerca de 20% do seu tempo administrando conflitos de toda natureza.  Muitos gestores consideram a Administração de Conflitos um dos pontos mais importantes de serem trabalhados nos líderes.

Segundo a autora Mary Parket Follet, uma norte-americana reconhecida por tratar com brilhantismo os problemas dos relacionamentos humanos: “Nós não devemos ter medo do conflito, porém devemos reconhecer que existe um modo construtivo de proceder em tais momentos. Na diferença em se tratar o conflito pode estar o sinal do saudável, uma profecia do progresso”. Este comentário deixa claro que o ambiente de conflito pode ser construtivo dependendo de como agimos.

Os conflitos podem ser encarados de forma negativa ou de forma positiva. O líder deve ter em mente que pessoas que pensam diferente conflitarão em algum momento, e este conflito quase sempre envolve uma forma de enxergar a situação que não estava sendo vista até então. Um grupo de pessoas que sejam muito parecidas, que todos concordem com tudo, normalmente é um grupo fraco, pois possuem mais dificuldades de pensar fora da caixa. O importante é haver no setor, departamento ou empresa, pessoas diferentes mas que se completem. Pois “a força de um grupo está na neutralização dos pontos fracos de uma pessoa pelos pontos fortes da outra”.

Normalmente os conflitos acontecem por três razões básicas:

1) Conflitos de Interesses;

2) Conflitos de Necessidades;

3) Conflitos de Opiniões.

Estas situações acima ocorrem basicamente por algumas razões:

1) Diferenças de personalidades:  Neste caso o mais importante é o líder reconhecer psicologicamente que as diferenças são saudáveis, que as pessoas podem e devem pensar diferente, porém, o fundamental é o líder conhecer cada um, saber as diferenças de cada membro do time.  Existem inúmeras técnicas que possibilitam isso: testes de personalidade e comportamento permitem para saber se o subordinado é “dominante”, “extrovertido”, “paciente”, “analítico”, “comunicativo”, “detalhista”, “bom para trabalhar em grupo”, enfim, saber os detalhes, para que na hora do conflito seja possível falar a língua de cada um, ajudando a resolver problemas complexos;

2) Má divisão de responsabilidades: Este item é mais comum do que se imagina, pois em grande parte das empresas não está claro o suficiente quem é o responsável pelas tarefas, fazendo com que haja uma zona cinzenta em que mais de uma pessoa lide com a mesma situação, dando instruções diferentes para um mesmo problema.  Para corrigir, é importante estar com as funções documentadas, é fundamental, nos contatos com os subordinados, prestar atenção se existem tarefas que podem estar sendo comandadas por mais de um gerente, supervisor ou líder de unidade. É de suma importância que todos os líderes da empresa estejam cientes que a companhia quer dar as responsabilidades certas para as pessoas agirem, e não deixar que a execução da mesma tarefa seja liderada por várias pessoas;

3) Equilíbrio de Metas: Toda empresa precisa ter metas e objetivos claros para períodos precisos, e estas metas devem ser atribuídas por setor, por gerência, por unidade. Contudo, é muito importante que estas metas sejam alinhadas e compatíveis com cada líder ou gerência, pois estudos demonstram que um dos grandes pontos geradores de conflitos são metas divergentes entre setores, que não estão alinhadas umas com as outras produzindo confusões, dúvidas e incertezas.  É muito importante que o líder seja justo na distribuição dos objetivos da empresa.

4) Recursos Compartilhados: Outro forte ponto de conflito são os recursos que são divididos como, espaço físico compartilhado, tempo de uso do carro da empresa, utilização de sala de reuniões e até mesmo compartilhamento de secretárias.  Nem sempre a empresa é grande o suficiente para cada um ter seus recursos próprios, sendo muitas vezes necessário dividir algo, momento em que muitos problemas podem acontecer. O líder deve estar consciente que precisará de habilidade para contornar as situações que acontecerão e ficar atento à correta distribuição destes recursos.

Como diretor e fundador da Alterdata Software, uma empresa de desenvolvimento de programas de computador com mais de 1.000 funcionários, percebo claramente que uma das maiores virtudes que preciso ter é saber lidar com situações adversas geradas pelas pessoas. Trabalho constantemente tentando minimizar os pontos acima para fazer com que os conflitos sejam menos frequentes. Para isso, faço uso de pesquisas de satisfação interna dos funcionários para entender possíveis conflitos entre pessoas, e ainda por meio da metodologia do SOAR passo a compreender o perfil das pessoas.  Visando conhecer as pessoas que trabalham na empresa, faço uso de uma quantidade de metas maior do que o normal a fim de ter mais detalhes e tudo ficar mais claro.  Desta forma, a diretoria participa ativamente de um processo de conhecimento dos setores, e ainda usamos o setor interno de auditoria para conhecer se estamos com os setores com recursos compartilhados; enfim, ficamos sempre tentando medir os detalhes para evitar possíveis conflitos, porém o que dá mais resultado é identificar os conflitos ainda na origem, bem no começo, logo quando as primeiras faíscas lampejam, facilitando enormemente a solução. Conheço empresários que sabem de um conflito nascendo mas se esquivam de resolvê-los, deixam mais para frente, e quando o clima está uma guerra é que tentam solucionar, trazendo perdas enormes tanto emocionais para as pessoas como de produtividade e eficiência para a empresa.

Habitualmente os conflitos são percebidos de três formas:

1) Conflito Latente: Ocorre quando as partes percebem que seus objetivos estão conflitando com os de outras pessoas, o que poderá trazer consequências complicadas no futuro. Neste caso é importante que as partes toquem no assunto o quanto antes, evitando assim que o conflito em si se instaure, de vez que não adianta ficar esperando as coisas melhorarem sem fazer nada: é fundamental resolver na origem;

2) Conflito Velado: Ocorre quando não é abertamente manifestado, mas fomenta internamente hostilidade, raiva, medo e descrédito entre as partes. Nesta situação o conflito já está trazendo consequências para a empresa, pois os dois lados já estão se relacionando mal - e o caso deve necessariamente ser levado para um superior de forma que este possa contribuir na solução.  É muito importante não fingir que está tudo bem, é importante chegar para a outra pessoa e dizer que está querendo Discutir a Relação, conversar a respeito.  Mesmo que uma parte negue ter interesse em conversar, a outra parte deve insistir alegando que poderão os dois sair prejudicados deste conflito se não conversarem a respeito;

3) Conflito Aberto: Ocorre quando é expresso através de um comportamento ativo ou passivo contra a outra pessoa de forma explícita ou dissimulada. Esta é a pior situação e acontece porque se deixou chegar a até este ponto, certamente porque não se teve coragem de resolver o problema no início.  Neste caso o melhor caminho, além de envolver um superior, é que cada parte faça duas listas de problemas e soluções:  colocando-se tudo por escrito, fica mais fácil de, num momento de atrito, chegar a um ponto em comum. O que não se pode é não estar disposto a ceder em algo, visto que chegar a um consenso só é possível quando se tem em mente o ganha-ganha.

Para subir na carreira em uma empresa, ou até mesmo para administrar melhor um possível conflito com um importante cliente é bom entender que Discussões e Competições são coisas bem diferentes de Conflitos. A discussões e as competições são saudáveis, ajudam nas reflexões, e não devem ser eliminadas, pois mantém a empresa em alerta continuamente. Os conflitos já possuem uma outra conotação, sendo nocivos à empresa por criarem polarizações que dificultam bastante o sucesso, uma vez que criam tribos internas nada saudáveis ao ambiente que hoje é, cada dia mais, colaborativo. O líder deve estimular o trabalho em grupo, mas ao mesmo tempo deixar claro que a produtividade alta de cada um é importante. O gerente, supervisor ou outro líder qualquer, não deve criar apenas objetivos individuais, pois caso o faça, estará alimentando demais o individualismo, inflando egos, o que fará com que os conflitos aumentem expressivamente. Mas também não deve apenas ter objetivos em grupo, posto que destarte estará estimulando pessoas de alta performance a levar nas costas os outros de baixo desempenho. O sucesso está no meio-termo.

 Outra prática excelente é dar metas e objetivos para cada setor cumprir num determinado tempo, que poderá ser trimestral, semestral ou anual. Porém devem, independente do tempo final do objetivo, terem uma reunião com o presidente da empresa e todos os líderes (gerentes e supervisores) para que cada um destes apresente para o grupo como está indo o cumprimento das suas metas.  Isso é muito importante psicologicamente, pois todos passam a entender melhor as dificuldades dos colegas para cumprir objetivos, podendo compreender melhor como um setor depende do outro para dar certo, funcionam os demais setores da empresa, propiciando um senso de equipe fora de série, inibindo sensivelmente os conflitos dentro da empresa.

Um elemento importante a ser trabalhado pelo líder no que tange aos conflitos é sobre o processo de comunicação, pois grande parte dos conflitos dentro das organizações está ligado à comunicação entre as pessoas, o que ocorre quando um colaborador fala uma coisa que é interpretada de modo completamente diferente pelo outro funcionário.  E para minimizar este tipo de situação é importante que o gestor elimine possíveis ruídos, como o uso excessivo de e-mail.  As pessoas em geral não gostam de ler, e desta forma não aprendem a escrever bem.  Sendo assim, não conseguem colocar em forma escrita exatamente o que estão pensando, gerando uma série de problemas para quem lê, que por sua vez, por falta de habilidade na língua, mostra-se inepto em interpretar textos.  Outro elemento é que raramente o texto consegue expressar as emoções das pessoas, e estas emoções ajudam muito na compreensão de fatos.  Em função disso, o importante para um líder, quando perceber um conflito, é conversar separada e pessoalmente com cada parte para entender o ponto de vista de cada um, e depois conversar em grupo com as duas partes simultaneamente, desempenhando papel moderador, deixando ambas as partes expressarem os seus pensamentos com tranquilidade. É fundamental ser forte, se necessário, pois às vezes as pessoas que falam mais alto inibem os mais contidos, dificultando bastante o consenso.

Uma das boas técnicas para ter a certeza se alguém está entendendo o que está sendo falado é perguntar para a pessoa, é deixar que ela diga o que compreendeu dos seus argumentos. Porém, quando o conflito se dá entre o subordinado e o líder, este último tem a insegurança de ser vencido no debate, e desta forma tenta impor a sua opinião em função da patente que possui, porém o tempo da escravidão já acabou, as pessoas têm cérebro, pensam, têm opiniões, e nem todos os líderes perceberam isso ainda.  Uma empresa que quer crescer, que quer estar viva nas décadas seguintes, precisa ter um ambiente em que todos pensem, todos  deem suas opiniões, e desta forma divergirão em vários momentos, cabendo ao líder ser muito hábil em convencer os subordinados, não se deixando ser enganado pelos subordinados - isso mesmo, enganado - pois se o ambiente é pesado e tenso, a tendência é os subordinados dizerem para o gestor que concordam, afirmando ao mesmo que entenderam, quando, na verdade, nem concordam e nem  compreendem o que precisam fazer, porque precisam fazer, e em quanto tempo precisam fazer.

O poder do líder não vem do seu cargo hierárquico, mas sim de um conjunto de relações que possui com a sua equipe como: respeito, afeto, exemplo, trabalho, missão, comprometimento, empatia, envolvimento e admiração. O líder que possui estes elementos conseguirá administrar os conflitos com muito mais facilidade, pois possui credibilidade.

O líder que sabe administrar conflitos consegue demonstrar para ambas as partes que uma negociação deve ser concluída com o processo ganha-ganha, jamais festejando porque alguém prevaleceu sobre o outro, mas sim porque ambos cederam um pouco para se chegar a um ponto favorável a ambos. E depois de ter o conflito resolvido, o importante é refletir se há uma maneira, na organização da empresa, de evitar que este tipo de conflito volte a acontecer. É parte do papel de um bom líder não ficar apagando incêndios, mas sim criar os métodos para que as coisas nocivas não se repitam.

Desta forma, resumindo, existem alguns itens a serem seguidos para a resolução de conflitos:

1) Criar um clima empresarial afetivo;

2) Deixar claras as perspectivas dentro da companhia;

3)  Manter o foco em necessidades individuas e compartilhadas;

4)  Direcionar o poder para vir não apenas da hierarquia;

5)  Construir o futuro com exemplos do passado;

6)  Gerar opções de ganha-ganha;

7)  Desenvolver a solução passo a passo;

8)  Estabelecer acordos de benefícios mútuos.

Jamais esqueça que o bom administrador de conflitos é sempre um excelente ouvinte.  Então contenha-se quando a outra parte argumentar coisas que você não goste de ouvir.  Simplesmente escute, sem se defender, em respeito à outra pessoa.  Sim, escute, processe, pense, analise e formule os seus argumentos com precisão e objetividade, mas jamais falte com o devido respeito. 

Agora vamos para a prática: peça para seus líderes lhe enviarem um e-mail com todas as atribuições que os mesmos julguem que lhes cabem. Com o resultado em mãos, analise se existem pontos conflitantes, pois é possível que mais de uma pessoa esteja atuando na mesma tarefa, sendo responsável pela mesma coisa. Depois de ajustar este ponto, peça para que os líderes lhe enviem por e-mail uma relação das metas e objetivos de cada um.  Mais uma vez, analise se existe mais de um líder lutando por algo semelhante; descubra quais metas e objetivos são complementares e faça os necessários ajustes para evitar conflitos. Depois disso, implante uma reunião bimestral onde cada líder apresentará para o grupo os seus objetivos e metas, bem como o andamento de cada atividade que está sendo executada para atingi-la.

Pare e pense: pequenas ações podem transformar a sua empresa e a sua carreira.


Ladmir Carvalho
Diretor Executivo - Alterdata Software