Nem sempre dar lucro é o que mantém uma empresa viva

Todas as empresas privadas possuem um único objetivo: “dar lucros”. Apenas assim elas se mantêm vivas - pelo menos em tese. Contudo, se o pequeno e médio empresário não entender bem os conceitos que sustentam financeiramente uma empresa, poderão iludir-se de que basta produzir lucro que estará tudo bem, o que não é bem assim.

Não é difícil de compreender que o resultado da diferença entre o que se compra e o que se vende tem que ser suficiente para pagar todas as despesas, porém outros elementos precisam ser analisados para garantir que a empresa terá vida longa.  Para empresas de porte médio para cima, este artigo terá pouco relevância, uma vez que o texto foi escrito pensando no pequeno empresário, aquele que quer estar fora da estatística brasileira na qual, segundo o IBGE declarou em 2010, 48,2% das empresas não sobrevivem a 3 anos de vida. O estudo ainda demonstrava que a mortalidade estava diretamente relacionada ao tamanho da empresa, de sorte que entre as que não tinham funcionários, 67,3% mantinham-se vivas, ao passo que entre as que tinham de um a nove funcionários, 88,5% mantinham-se vivas, sendo de 95,9% o percentual das sobreviventes que tinham dez ou mais pessoas empregadas.

Já o SEBRAE afirma que cerca de 50% das empresas novas quebram nos dois primeiros anos de vida, e que a grande maioria não sabe gerir com precisão as próprias finanças. Declara ainda que 27% das pequenas empresas quebram no primeiro ano de vida, apesar de serem responsáveis por empregar 60% dos trabalhadores brasileiros.  E alguns estudos comparam o Brasil com os Estados Unidos, onde 31% das empresas possuem mais de 500 funcionários, enquanto no Brasil este número é de apenas 2% das companhias, sendo que lá, as empresas com menos de 19 funcionários representam 55% das companhias, enquanto no Brasil este número é de 94%. Isso significa que a grande massa de empresas pequenas dominam o Brasil - e nelas estão os maiores problemas de quebra de empresas, merecendo nossa atenção.

Para compreender bem a polêmica, é importante entender que o lucro é apurado considerando o faturamento e os pagamentos por vencimento, e que esta análise não é suficiente para concluir que a empresa está bem, também é necessário outros elementos de análise serem depurados em paralelo para chegar a uma conclusão relevante:  fluxo de caixa, prazos médios de títulos a receber e pagar, capital de giro, valores de inventário, provisões futuras, reserva de inovação futura e muitos outros elementos.

A DRE é a ferramenta mais eficaz para demonstrar o lucro que a empresa está gerando, pois, regra geral, inicia do valor de vendas, leva em consideração o custo desta mercadoria vendida, e a respectiva diferença entre a Venda o CMV tem que pagar todos os custos fixos e variáveis, de modo que o que sobrar de positivo é lucro e o que sobrar de negativo é prejuízo, o que não é muito simples de ser concluído, pois inúmeras situações podem deixar o gestor em dúvidas.  Quando uma empresa apresenta um lucro líquido de R$ 20.000,00, por exemplo, dá ao administrador a sensação de que ele poderá retirar este dinheiro da empresa como dividendos, o que nem sempre é possível.  Já ouvi de empresários a afirmação de que não sabem onde está o dinheiro do lucro que está sendo apurado, como se este valor do lucro tivesse desaparecido, não vendo eles a cor do dinheiro.  Isso acontece quando o lucro está dentro da empresa, escondido no estoque, no contas a receber, no cartão de crédito e outros locais, e, desta forma, mesmo que o empresário não consiga retirá-lo da empresa, o lucro lá estará presente. Outro aspecto é quando o empresário mistura contas pessoais com as do negócio, mascarando o lucro, confundindo o que realmente é resultado da empresa.

O Fluxo de Caixa já tem outra conotação:  trata-se de uma ferramenta de gestão que projeta os saldos de disponibilidade (caixa + bancos) sobre o Contas a Receber e Contas a Pagar ao longo do tempo, deixando claro se a empresa terá capital para honrar os seus compromissos no futuro. Uma empresa poderá vender um dos seus caminhões usados e com isso melhorar o Fluxo de Caixa sem afetar a lucratividade da empresa. Uma empresa de “Dinâmica Própria” é aquela cuja operação advém da sua própria força motriz, uma vez que o que sobra entre o valor da venda e o respectivo custo desta mesma venda gera a riqueza para mantê-la viva e crescendo. Uma empresa que sobrevive regularmente do Desconto de Duplicatas ou Antecipação de Cartões de Crédito está perdendo margem a fim de obter um valor antes mesmo do que se previra na estratégia comercial, o que não é normal.  A antecipação de créditos futuros (A Receber, Cartão e outros) é uma operação interessante para atender a uma necessidade pontual, como acontece por exemplo quando surge uma oportunidade “incrível” de trocar o caminhão da empresa, não se podendo perder a chance, e neste momento, se a empresa não possui caixa para realizar a compra, pode e deve realizar antecipações para se beneficiar da oportunidade. Porém as empresas que fazem uso deste método para operações regulares, como efetuar o pagamento da folha, estão na realidade com uma séria anomalia a ser tratada.

Sendo assim, se uma empresa apresentou um lucro de R$ 1.000,00 no final do mês, teoricamente este valor deveria estar no caixa ou no banco, o que nem sempre é verdade. A apuração deste lucro sempre é feita levando-se em consideração o mês de competência da respectiva receita, porém é possível que para aumentar o volume de vendas o empresário autorizou o setor comercial a dar mais prazo para os clientes, e com isso as vendas aconteceram gerando lucro, mas o dinheiro não entrou em função do longo prazo de faturamento, não gerando portanto fluxo de caixa, deixando claro que nem sempre uma empresa lucrativa está bem. Pois, vamos imaginar que o fato de ter dado mais prazo tivesse aumentado expressivamente a inadimplência, fazendo com que a empresa não receba efetivamente os valores que vendeu, gerando assim prejuízo no futuro; ou ainda, que o fato de ter dado mais prazo tivesse feito com que a empresa diminuísse o capital de giro em função de estar recebendo em período mais longo, complicando, destarte, operações de novas compras e investimentos. À luz destes fatos, verifica-se quanto é importante que o gestor tenha ferramentas de software que sejam capazes de apurar os Prazos Médios de Contas a Receber e Pagar, que consiga entender com clareza se os prazos que ele está dando para os clientes na venda está compatível com os prazos que ele está recebendo dos fornecedores, pois, quanto maior a distância entre estes prazos, mais será significativo dispor do capital de giro necessário para manter a empresa em operação.

Outra situação que pode acontecer é quando a empresa está dando lucro mas o empresário não possui os controles de estoque regulador ideais, fazendo com que a empresa fique estocada em excesso, e neste caso o lucro estará escondido sob a forma de produtos no estoque. E se considerarmos produtos perecíveis, corre-se o risco de os produtos perderem a validade e o estoque virar lixo, caso em que lucro será ilusório.  Uma empresa comercial tem como grande missão fazer o cliente entrar na loja e comprar o produto. Para tanto, é necessário investimento em marketing para trazer o cliente para dentro da loja, onde precisará ter-se o conjunto de produtos que o cliente espera encontrar. Se tiver produtos de menos, o cliente entra na loja e não compra; se tiver produtos de mais, precisará de forte capital de giro para controlar um volume de estoque além do necessário. Desta forma, a melhor solução é ter um software de gestão que calcule o Estoque Regulador em função do consumo histórico de cada produto, sugerindo as quantidades individuais que se deve ter para atender a demanda, levando em consideração até mesmo a sazonalidade de alguns produtos. Sendo assim, é importante que o empresário mantenha os olhos nos números do estoque, pois parte do lucro está na razão inversa da ineficiência da gestão do estoque.

Como diretor e fundador da Alterdata Software, empresa com 30.000 clientes em 2014 e mais de 1.000 colaboradores, vejo que no caso de inúmeros clientes, a grande parte dos problemas das empresas consiste na gestão dos seus negócios.  Vejo inclusive escritórios de contabilidade preocupados em gerir o seu negócio como empresas contábeis, em entender com mais eficiência o porquê das coisas, a razão de estarem ou não cumprindo certos prazos, os motivos de um cliente em especial estar dando menos margem do que outro. Enfim, independente da natureza da atividade, observo que o empresário atualmente está muito mais focado em entender o seu negócio, contudo, a questão é que nem todos sabem o caminho para aprender a interpretar os números da sua própria empresa, e, desta forma, saber que números olhar é muito importante.

Ademais, algo que escuto muito dos clientes são comentários preocupados quando certas épocas do ano se aproximam. Por exemplo a época de pagar o décimo terceiro aos funcionários, que normalmente é uma ocasião complicada de descapitalização.   Isso acontece, todavia, por falta de planejamento, pois tudo o que é previsível deve estar no planejamento da empresa, e certamente, como todos sabem, o décimo terceiro acontece religiosamente todos os anos na mesma época, razão por que é fundamental que haja um provisionamento destes valores mensalmente.  Conheço empresas que possuem uma conta bancária separada para depositarem todos os meses o provisionamento do décimo terceiro, como se este valor já estivesse comprometido – e realmente já está -, de tal forma que não se sintam tentadas a utilizar estes valores para a operação regular da empresa. Isso vale para provisionamento de férias, rescisões e outras obrigações.  Já vi empresas que provisionam valores para troca dos computadores, pois sabem que os mesmos ficam obsoletos em 4 anos, e desta forma já vão guardando dinheiro para tal, facilitando futuras tomadas de decisão. Sendo assim, parte do lucro que vimos no início deste artigo deveria estar sendo reservado para as provisões, evidenciando assim um lucro líquido diferente do apurado inicialmente.

Outro fator que pode ser relevante é se a empresa trabalha com algo muito inovador, que precisa de pesquisa o tempo inteiro, como é o caso da produção de software. Neste caso a empresa precisa reservar parte do lucro para inovação futura, pois empresas de software, muitas vezes, estão trabalhando em projetos que os clientes começarão a ver anos depois, e nestas inovações pode-se prever investimentos pesados que serão necessários no futuro, sendo possível fazer reservas financeiras para que tudo aconteça de forma suave nos próximos anos.

Outro elemento a ser considerado é que a empresa pequena pode e deve pensar como a grande, devendo-se entender que a atuação do principal executivo desdobra-se em três papéis bem definidos: Operacional, Empresário e Investidor.  Entender bem esta diferença poderá clarear muito as coisas.  Pois a empresa pode estar dando lucro e mesmo assim ter que ser fechada por ser inviável para o investidor.  Por exemplo, vamos imaginar que uma empresa com investimento por parte dos donos de R$1 milhão e que, a despeito de gerar R$ 75 mil anuais de lucro líquido, ainda assim deveria ser fechada. Pois, mesmo desconsiderando questões de depreciação, podemos afirmar que tal empresa, embora lucrativa, destrói os ativos dos acionistas.   Com efeito, deveriam eles investir os mesmos R$1 milhão em títulos públicos, que gerariam um retorno, sem riscos, acima da taxa de 7,5% ao ano, equivalente aos R$ 75 mil que os donos estariam recebendo.  Certos negócios demandam alto investimento para serem montados e operacionalizados, e mesmo dando lucro, poderão ser inviáveis economicamente.

Todos estes elementos são importantes para aferir se a empresa está indo bem ou mal, porém a lista de pontos a serem analisados não é fácil de ser montada, pois depende do negócio, da agressividade da empresa, da dependência de funcionários, fornecedores e até mesmo de clientes. Não pretendemos aqui exaurir esta lista, mas apenas alertar que o bom gestor sabe que cada indicador é importante para complementar a análise, e olhar simplesmente o indicador lucro não quer dizer muita coisa.  Isso significa que administrar uma empresa dá trabalho, tem que pensar muito, olhar muitos ângulos, estar envolvido.  E por sinal, a falta de envolvimento do sócio é um dos motivos das empresas pequenas quebrarem, segundo o SEBRAE.   Em vista disso, não deixe de olhar a sua empresa em detalhes. Se você for um gerente geral, não tire conclusões açodadas, sem o cuidado de comprovar.  Igualmente, não faça relatórios conclusivos precipitadamente, pois haverá grandes chances de tomar decisões erradas por se basear em informações equivocadas ou superficiais.

Como atividade final, sugiro que o empresário ou gerente geral faça uma lista impressa com todos os indicadores necessários para entender o negócio. Cada número deverá ser acompanhado historicamente, mês a mês, para garantir que estão sob controle.  Todas as vezes que surgir um problema específico, volte a esta lista e analise se algum indicador foi comprometido.  Não encontrando nenhum, é sinal que está faltando mais um indicador para alertá-lo. Chegará um momento em que seu painel de controle de indicadores acusará qualquer variação que porventura o negócio estiver dando. Conheço empresas que possuem uma única planilha Excel com todos estes indicadores, facilitando ir a um único local para saber o que está acontecendo, que tal tentar fazer o mesmo?



Ladmir Carvalho
Diretor Executivo - Alterdata Software